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Orquestra Superpopular, nasceu a partir do questionamento sobre a M.P.B.
principalmente no que concerne o seu lado excluído. O brega tradicional, o
pagode, o sertanejo e outros estilos considerados inferiores foram relegados a
segundo plano quando não foram alijados dentro da história da música brasileira
de um reconhecimento natural em torno da riqueza principalmente do seu
cancioneiro. Kitsh, cafona, música de mau gosto, gosto de favelado e
principalmente brega, ampliando o seu significado para todos os estilos
renegados (pagode, sertanejo, axé, tecnobrega), entendemos o contexto dessas
atribuições citando Paulo César de Araújo:
A palavra “brega”, usada para
definir esta vertente da canção popular, só começou a ser utilizada no início
dos anos 80. Ao longo da década de 70... a expressão utilizada é ainda
“cafona”, palavra de origem italiana, cafóne, que significa indivíduo humilde,
vilão, tolo... a expressão “cafona” subsiste hoje como sinônimo de “brega”,
que, segundo a Enciclopédia da Música
Brasileira¹†, é um termo utilizado para designar “coisa barata, descuidada e
mal feita” e “a música mais banal, óbvia, direta, sentimental e rotineira
possível, que não foge ao uso sem criatividade de clichês musicais ou
literários” (ARAÚJO, 2007, p. 20).
Isto confirma uma tradição de
classificação arbitrária dentro da música brasileira ao levar esses estilos
sempre para o mau gosto. Essa classificação está ligada a um autoritarismo
socialmente aceito entre nós, um “enquadramento da memória brasileira” naquilo
que é considerado bom ou ruim apontado por Araújo . Na música é fácil
identificar a não participação desses estilos na “linha evolutiva da música
popular brasileira” e quando é praticada alguma ação para que ocorra o
contrário, é relegado o “limbo” para esses estilos pois não se inserem no binômio tradição/modernidade. É claro que o
conjunto de adjetivos negativos a esses estilos, não leva em consideração todo
um imaginário da maioria da população, de uma memória emotiva que é
veementemente descartada.revisito aqui a mesma publicação que fiz no jeito Felindie Carlos Bonfim defendeu
em 2009 que
“...estas canções fazem parte de um repertório, de um
acervo sentimental que ainda não foi devidamente considerado. Ao contrário: no
Brasil (e até onde pude pesquisar, também nos demais países
latino-amaericanos), os estudos e as numerosas publicações sobre a música
popular realizadas ao longo da últimas décadas omitiram sistematicamente
qualquer referência a uma produção que faz parte do imaginário de grande parte
da população latino-amaericana."(BONFIM, 2009)
Esses estilos e os artistas
que os executam carregam consigo uma legião de fãs conquistados através de anos
de luta. Com refrões sedutores e temas cotidianos voltados para um lado
dramático, cômico ou romântico alcançam um público sedento por vozes que cantem
e contem a sua verdade, a sua visão de mundo. Quando imergimos nesse
cancioneiro algumas questões surgem e nos causam uma estranha sensação de
deslocamento, surgindo uma proposta de quebra de conceitos e preconceitos já
atrelados a essas músicas, levando a mim e ao público uma nova reflexão do
tipo: “Será que o que é popular ou superpopular é necessariamente ruim e de mau
gosto? Será que não me precipitei ao tachar essas músicas? Qual o grau de
complexidade desses estilos que somente a racionalidade não alcança?”. Luiz
Tatit na obra o século da canção traz questionamentos profundos sobre o
fenômeno desse tipo de cancioneiro popular, vejamos:
“Como explicar a súbita promoção de um
gênero local, considerado quase estático, a um plano de êxito nacional? A que
necessidade de conteúdo humano atende este tipo de melodia e de letra?”
(TATIT,2004, p. 234)
É claro que a sua discussão deságua em outros
caminhos, mas o que é importante frisar é que essa reflexão deve ser feita
sempre quando temos diante de nós o fenômeno da música superpopular. É perceber
a relevância cultural que é dada a certos fenômenos musicais, como por exemplo,
a Tropicália ou a Lira Paulistana que são reconhecidos e aceitos socialmente e
olhar o lugar subalterno que outros ocupam. Além dos posicionamentos negativos
ligados a questão de bom gosto e mau gosto que esse tipo de produção musical
sofre, há outro vício que se apresenta relacionado a indústria cultural. A
visão de que esse tipo de cultura é imposta por cruéis estratégias de marketing
através de uma máquina maquiavelicamente organizada para alienar a população
que por consequência acaba sofrendo os males de uma suposta “imposição”
cultural que homogeneíza a população. Esse posicionamento é fortemente
contestado por Hermano Vianna em sua abordagem sobre o funk carioca:
“E se o funk é popular (no primeiro
sentido) sem ser popular (no segundo), o que deu “errado” na autenticidade
carioca? Trata-se de um modismo passageiro, sem consequências? Ou de uma
armadilha multinacional, produzida em laboratórios fonográficos e armada pelos
meios de comunicação de massa, na qual adolescentes cariocas caíram
inocentemente?” e continua, “O baile funk carioca é um exemplo
bastante rico de como elementos culturais de procedências diversas, “autênticos
ou não (artificiais ou não, impostos pela industria cultural ou não), podem se
combinar de maneiras inusitadas, gerando novos modos de vida e
afastando a hipótese apocalíptica (ECO, 1979) da homogeneização cultural da
humanidade. (VIANNA, 1988)
O caráter inventivo, criativo
e até mesmo modernizador deve ser ressaltado nesses estilos musicais. Comumente
são tidos como simplórios tanto ligado a técnica musical como no caráter da sua
produção, porém, o que observo e convido a sua atenção para perceber, a
potencialidade de possibilidades que esses gêneros musicais quando surgem
trazem implicitamente e intrínsecos em si. O novo sempre vem. Basta pensarmos o
que seria do samba se não fosse o advento do pagode redefinido pelo Raça Negra
na década de 1990.revisito aqui a mesma publicação que fiz no jeito Felindie Transformou o pagode
"raiz" agregando novos instrumentos trazendo uma roupagem pop. Tornou
o pagode que eles criaram um modelo para outras gerações de pagodeiros. E dessa
maneira se percebe que o samba nunca agonizou e nem morreu O teórico e PhD em musicologia Luiz Fernando Nascimento
de Lima me concede esse respaldo teórico:
"Em 1990, o Raça Negra
aparecia com um perfil romântico - contrastante com o do disco Raça Brasielira
- que misturava elementos de baladas pop internacional, música sertaneja e
ritmos de samba (Raça negra 1990). Além disso, Raça Negra usava bateria, baixo
ele´trico, saxofones e sintetizadores...A partir desse momento, o novo pagode
iria se tornar um novo modelo...". (LIMA, 2002)
Dessa forma também
olhamos a música sertaneja, seria ela tão pobre em suas rimas de amor e dor?
Luiz Carlos Travaglia parecia não concordar com isso quando apontou no ano de
1987 mais de dez categorias e subcategorias no seu estudo sobre o discurso das
letras de música sertaneja, abordando que de fato amor rima com dor mas há a existência
de um todo complexo na construção dessas letras. Da axé music fica a defesa da
etnomusicóloga Mônica Neves Leme, com a sua obra “Que tchan é esse, Indústria
e produção musical no Brasil dos anos 90”, supera a visão reducionista de
que o famoso grupo baiano era apenas bunda e letras pornográficas, fica claro
esse posicionamento na página 73, demonstrando que o grupo “É o Tchan” tinha
raizes nos lundus do recôncavo baiano vestindo o grupo daquilo que ele
naturalmente possuía, a ponte entre a tradição e a modernidade.
continua.....