quinta-feira, 23 de maio de 2013

Vertigens Superpopulares - Figurino Orquestra Superpopular



"O jeans é o tecido do povo, é popular, é superporpular." Manoela Moura, figurinista da OSP

“Vestir é um ato mágico”, Hélio Oiticica

“Enfeitar-se é um ritual tão grave. A fazenda não é
mero tecido, é matéria de coisa. É a esse estofo que com
 meu corpo eu dou corpo. Ah, como pode um simples
pano ganhar tanta vida? ”
Clarice Lispector,  O ritual,  em  A Descoberta do Mundo

Através da moda, observamos um tempo: um tempo que está marcado pelo mais atual, pela presença das tecnologias, por uma linguagem internacional e por uma valorização cultural. A teoria fixou o foco em quatro funções práticas das roupas: utilidade, decência, indecência (atração sexual) e ornamentação. George Sproles acrescenta mais quatro funções: diferenciação simbólica, filiação social, autoaprimoramento psicológico e modernidade.
Assim como a moda, o figurino tem essas oito funções. A diferenciação está que o figurino é dependente não comercialmente a um texto/conceito e utilidade como necessidade física. A partir disso, se questiona ao que estamos dependente hoje, nós, o popular.

Popular
po.pu.lar
adj m+f (lat populare) 1 Pertencente ou relativo ao povo; próprio do povo. 2 Comum, usual entre o povo: Linguagem popular. 3 Adaptado à compreensão ou ao gosto do povo. 4Promovido pelo povo; que provém do povo: Manifesto popular.5 Originado entre o povo ou por ele composto ou transmitido: Música popular; dança popular. 6 Que representa ou pretende representar a vontade do povo: Partido popular; governo popular. 7 Que é do agrado do povo; que tem as simpatias, o afeto do povo. 8 Notório, vulgar. 9 Democrático. 
 
      Povo.
O que pertence ou é relativo ao povo em relação à roupa? O que é comum, usual ao povo? O que o povo usa e o que ele gosta? O que é promovido pelo povo? O que é originado entre o povo ou por ele composto ou transmitido? O que representa ou pretende representar a vontade do povo? O que é do agrado do povo? O que tem sua simpatia e afeto? O que e notório, vulgar? O que é democrático?

O jeans.
A calça jeans já nasceu globalizada. O inventor era natural da Letônia. Quem financiou a ideia foi o alemão Strauss. A patente foi americana. O tecido, francês: o brim, rústico, feito da mescla do algodão, surgiu na cidade de Nîmes no século XVII. O nome do tecido de Nimes, brim, acabou sendo abreviado para Denim. Os italianos foram os primeiros a importar esse tecido, para confeccionar os uniformes dos marinheiros que trabalhavam no porto de Gênova. Esses genoveses eram chamados de genes pelos franceses. E depois, de jeans pelos americanos. Assim surgiu o nome conhecido até hoje.


 A calça jeans, item tão básico quanto fashion, uma das peças mais democráticas do vestuário, um objeto de consumo que revolucionou a maneira de se vestir, de pessoas de várias gerações. Eleita pela revista americana Time como "a vestimenta do século XX". O jeans é o tecido do povo, é popular, é superporpular. O povo usa, gosta. É o tecido que representa o trabalhador em todas as suas possibilidades. Pode ser vulgar, pode ser notório, pode ser chique, esportivo e até básico.  Do tecido usado para cobrir carroças ao ícone da moda. Junto com esse tecido popular, a proposta de figurino também conta com a valorização da brasilidade presente nas roupas, através dos ricos trabalhos manuais que o país tem em todos os cantos. Crochê, renda, bordados, ponto-cruz, fuxico, tricô, glitter, lantejoulas, penas e diversos materiais que vão enriquecer o jeans. 

Outra junção a essa composição é o espelho. Uma superfície muito lisa e que permita alto índice de reflexão da luz que incide sobre ele. Esse material é visto em todas as casas, em globos de espelhos em boates, em banheiros, em lojas, enfim, em todos os lugares aonde o povo, as pessoas permeiam. O espelho vai refletir as projeções, o que vai resultar em um jogo de brilhos, cores e movimentação para as peças.Com isso o conceito do figurino é trazer para as roupas da orquestra o de mais superpopular em matérias e tecido. Algo que o povo usa e abusa sem perceber.

Outra questão importante é a modelagem. Ela vai buscar em todas as referências visuais da moda, televisão e cinema no Brasil, selecionando o de mais emblemático e superporpular, sendo direcionada para a personalidade de cada integrante do grupo. A “estimulação erótica” que está diretamente relacionada com o caráter sensual (visual e tátil) da moda quando se trata de vestimentas, desenvolveu esse duplo valor até fazê-lo despontar. Esta intensa dimensão tátil sugerida pelas roupas feitas com materiais diversificados: as plumas, transparências, rendas e as exibições de partes do corpo, complementam-se com a distância dos brilhos e dos espelhos. O corpo, ao ser entregue à espetacularização, converte-se em uma extensão da tecnologia, que passa a funcionar como uma prótese, experimentando em si mesmos a tese de McLuhan de que os meios são uma “extensão do corpo”. 

Caetano Veloso vestindo um parangolé

    Resultado de todas essas questões que abordam o figurino, o jeans, os trabalhos manuais, a modelagem diferenciada para cada persona, a questão masculino/feminino, os espelhos, a renda, as cores, rosa, azul, branco, e por fim tudo isso se dá no espaço através do movimento dessas roupas. Através da movimentação dos integrantes com a roupa é que se dá o figurino, fazendo uma relação através do movimento com o trabalho de Oiticica, Parangolé. Parangolé são capas, estandartes, bandeiras para serem vestidas ou carregadas pelo participante de um happening. As capas são feitas com panos coloridos (que podem levar reproduções de palavras e fotos) interligados, revelados apenas quando a pessoa se movimenta. A cor ganha um dinamismo no espaço através da associação com a dança e a música. A obra só existe plenamente, portanto, quando da participação corporal: a estrutura depende da ação. A cor assume, desse modo, um caráter literal de vivência, reunindo sensação visual, táctil e rítmica. 

    O participante vira obra ao vesti-lo, ultrapassando a distância entre eles, superando o próprio conceito de arte, mas que fique claro, ao vestir o Parangolé o corpo não é o suporte da obra. Oiticica diz que se trata de "incorporação do corpo na obra e da obra no corpo". O interesse de Oiticica, ao criar o Parangolé, não foi outro senão o de levar o indivíduo ao dilatamento de suas capacidades artísticas, para a descoberta de seu centro interior criativo, de sua espontaneidade expressiva adormecida, condicionada ao cotidiano. E, termino aqui, com as palavras de Bergson, que sintetizam a experiência Parangolé:


Ao libertar e acentuar esta música, eles hão de impô-la à nossa atenção; farão com que venhamos a inserir-nos nela, como passantes que entram numa dança. E por aí impelir-nos-ão a vibrar nas profundezas de nosso ser, algo que só estava esperando o momento de vibrar.

Finalmente, a movimentação no espaço faz acontecer o figurino no palco, a troca da luz com os integrantes e o rebatimento para a plateia. O que gera a sensação de vertigem, de os indivíduos girarem à sua volta e que ele próprio gira.

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